O sítio escolhido para a edificação do mural, junto ao parque canino, também não está a agradar os moradores e trabalhadores na zona, que temem perder espaço de fruição pública. “Ao fim-de-semana, o jardim está sempre cheio de famílias e crianças e, à noite, há muitos cães. O muro vai retirar espaço, podia não estar no meio do jardim”, critica Guilherme Santos, 22 anos, a tomar café na zona. Elísio Mendes, 52 anos, frequenta aquele espaço público com regularidade, há vários anos, e também está descontente. “O muro não fica nada bem ali, vai estragar o jardim. Um muro simboliza sempre separação, não queremos muralhas”, critica o morador.
No mural, que terá a assinatura dos artistas Júlio Pomar, Graça Morais, Eduardo Batarda, Sofia Areal, entre outros, estarão representadas artisticamente algumas das palavras-chave do documento em azulejos doados pela Galeria Ratton. A Carta de Lisboa foi elaborada pelos próprios habitantes da cidade, no quarto Fórum da Cidadania, tendo sido aprovada em Julho de 2017, e aguarda aprovação oficial pela Assembleia Municipal de Lisboa (AML). A iniciativa, do pelouro dos Direitos Sociais da Câmara de Lisboa, realiza-se, anualmente, desde 2014, sendo criados e aprovados novos documentos todos os anos. Segundo a declaração, a cidade de Lisboa “garante o direito de participação através de mecanismos apropriados e acessíveis de consulta e deliberação”, “o direito a audição e participação na definição das políticas autárquicas”. O documento estipula ainda que “as cidadãs e os cidadãos devem ter acesso a informação atempada da tramitação dos processos e dos resultados da sua participação”.
Algo que não estará a acontecer. “Isto até é irónico. Um dos princípios estipulados na carta é precisamente o dever da câmara em divulgar, de forma clara, os seus planos e, não só não fomos avisados, como o projecto nem sequer esteve em consulta pública”, critica Rui Martins, que contribui para a elaboração da carta e mora na freguesia. A informação acabaria por ser disponibilizada pelos trabalhadores no local da obra e, só depois de várias tentativas de contacto da associação de moradores Vizinhos do Areeiro, com a Junta de Freguesia do Areeiro e a Câmara de Lisboa, é que houve uma resposta oficial. “Depois de enviarmos vários emails é que nos responderam. O mural já estava planeado há um ano, havia tempo para reflexão e discussão, podíamos ter sugerido outros locais”, diz Rui Martins.

Apesar de já terem recebido uma explicação da Junta de Freguesia do Areeiro, continua a faltar uma placa identificativa, exigida por lei, com a informação da natureza, custo e o prazo da obra. “Após um pedido de informação à Junta, sem resposta, surgiu uma placa incompleta, apenas com indicação da natureza da obra. Continua sem se saber a empresa de construção civil responsável, a data de início e conclusão da empreitada”, conta Rui Martins. A associação de moradores Vizinhos do Areeiro, assim que teve conhecimento da obra, prontificou-se a contestar a construção do mural revestido a azulejos. Num abaixo-assinado redigido por um grupo de moradores liderado pelo Vizinhos do Areeiro, visível no site da associação, criticam a localização da obra e o facto do projecto não ter sido divulgado por qualquer meio oficial. “Uma vez que o espaço tem vida funcional e espontânea, a freguesia poderia ter optado por requalificar outros, sem função ou abandonados”, lê-se no texto que conta, para já, com o apoio de 57 habitantes de Lisboa.
Os moradores do Areeiro temem que a fruição do espaço público, com uma densa área relvada, seja afectada. Dizem que as dimensões do muro “são excessivas” num espaço dedicado ao lazer em pequenos canteiros relvados, e que a baixa altura daquele “poderá provocar acidentes a crianças de tenra idade ao cruzarem o pórtico de betão”. Os materiais utilizados – betão armado e painel em mosaico de azulejo – também não são do agrado da maioria. “A experiência que temos na zona é que os monumentos em azulejo, quando sujeitos a exposição solar prolongada, acabam por desagregar-se rapidamente. Requerem mais manutenção e conhecimentos técnicos, fica mais caro”, diz o também fundador da associação de moradores Vizinhos do Areeiro.

Além disso, o vandalismo tem aumentado naquela zona verde. “De noite, o jardim é muito mal frequentado, há miúdos a consumirem álcool e drogas todos os dias, e deixam muito lixo. Poderemos passar a conviver com uma obra em permanente estado de ruína”, alerta Rui Martins. Os moradores dizem que o mural deveria ter sido construído numa das paredes exteriores do Fórum de Lisboa, uma forma de evitar a danificação da estrutura. “Há muitas paredes a serem grafitadas, recorrentemente, e a colocação dos azulejos nas paredes da Assembleia Municipal de Lisboa até era uma forma de dissuadir a pintura e o graffiti. É uma sugestão que podia ter sido feita em consulta pública, mas não houve”, lembra ainda Rui Martins.
Entretanto, no passado dia 11 de Novembro, a Junta de Freguesia do Areeiro informou os moradores de que deu “parecer favorável” ao local escolhido pela CML e de que o prazo para a conclusão do mural será entre os dias 21 e 22 de Novembro. Miguel Correia, que todos os dias fala com os trabalhadores da obra, avança outra data – 22 de Dezembro. Rui Martins também tem dúvidas quanto à data de conclusão. “Disseram-nos que o betão demora um mês a secar, portanto isto deverá estar concluído mais perto do início de Dezembro”, prevê.
De acordo com a Junta de Freguesia do Areeiro, este projecto foi aprovado em Julho de 2017, no Fórum Cidadania, tendo sido apresentado na íntegra na Galeria Ratton, a 22 de Outubro de 2017, sendo já conhecido há um ano. A Junta de Freguesia terá sugerido que o mural fosse colocado no relvado do lado esquerdo do edifício da Assembleia Municipal de Lisboa (AML). No entanto, a Câmara Municipal de Lisboa e a AML terão discordado. “Consideraram que o mural devia estar num local com maior visibilidade e escolheram o espaço onde está a ser construído neste momento”, explica o gabinete de comunicação da Junta de Freguesia do Areeiro, em depoimento escrito a O Corvo. Quando questionada sobre o motivo porque o projecto não foi alvo de discussão pública, a Junta de Freguesia diz que a responsabilidade da obra é da Câmara de Lisboa.
O Corvo confrontou a Câmara de Lisboa com as acusações dos moradores, mas, até ao momento da publicação deste artigo, não obteve resposta. Tentou, ainda, entrar em contacto com a Assembleia Municipal de Lisboa, mas esta não mostrou disponibilidade em responder em tempo útil.”
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